Reflexões sobre limites etários nas empresas e sociedade: como reconhecer a necessidade de atualizar o nosso software?
Longevidade
O Brasil é frequentemente visto como um país jovem. No entanto, essa percepção contrasta com dados que revelam uma realidade diferente. Para compreender o envelhecimento da população brasileira, é necessário unir múltiplos esforços.
Sendo assim, utilizaremos um caleidoscópio como metáfora. Ele é um instrumento que, ao girar, revela padrões coloridos e simétricos, refletindo a complexidade do tema.
Impactos das mudanças de nossa Pirâmide Etária
De acordo com o último censo do IBGE (2022), nossa pirâmide etária passou por transformações significativas. Por exemplo, a queda nas taxas de natalidade e mortalidade tem acelerado o envelhecimento populacional. Além disso, observa-se uma leve predominância feminina: 51% da população é composta por mulheres, contra 49% de homens.
Consequentemente, o Brasil vive um dos processos de envelhecimento mais rápidos do mundo. Atualmente, há 308 idosos para cada 100 jovens — número que supera a média global de 162 para 100. Com base nas projeções, até 2077 haverá mais pessoas acima de 80 anos do que abaixo de 14. Apesar disso, persistem desafios estruturais, como a falta de saneamento básico e educação. Portanto, é essencial que governo, empresas e sociedade civil atuem em conjunto.
Bônus Demográfico: ainda dá tempo de aproveitar?
Neste novo giro do caleidoscópio, observamos o bônus demográfico, em outras palavras, o período em que há mais pessoas em idade produtiva do que dependentes. Contudo, essa janela de oportunidade está se fechando rapidamente.
Para ilustrar, a China é um exemplo de sucesso. Nos anos 1980, sua renda per capita era 17 vezes menor que a do Brasil. Hoje, após décadas de altos investimentos e poupança, supera o Brasil em 25%. Em contrapartida, nossas taxas de poupança e investimento permanecem baixas: 17,4% e 18,7% do PIB, respectivamente. Superar esse obstáculo é urgente.
Manter as pessoas ocupadas por mais tempo seria uma solução?
Outro fragmento surge, questionando o marco inicial da velhice no Brasil. Afinal, manter as pessoas economicamente ativas por mais tempo poderia melhorar os indicadores econômicos?
60 anos, o início da invisibilidade no Brasil
No Brasil, considera-se idoso quem tem 60 anos. No entanto, esse marco é debatido, especialmente quando comparado a países como a Itália, onde a idade é 75. Embora o debate seja polêmico, ele é necessário. Afinal, fatores como gênero, raça e classe social influenciam diretamente a expectativa de vida e a produtividade.
O rótulo de “improdutividade” para pessoas acima de 60 anos é questionável, especialmente considerando que alguns benefícios sociais só estão disponíveis a partir dos 65 anos.
Renda, exclusão do mercado de trabalho e custos com saúde são temas que requerem análise cuidadosa e consenso.
Novas idosas em contraste: como escapar dos armários que as aprisionam?
Ao girarmos o caleidoscópio, novas figuras se formam e vemos retratos das novas idosas brasileiras. São imagens diversas, pois a velhice não é homogênea. Podemos comparar uma mulher de 60 anos hoje com uma mulher de 60 anos na década de 30?
Na década de 30, a mulher era vista como mãe e dona de casa, e aos 60 anos, como avó. Hoje, vemos idosas dançando, namorando e se divertindo, mas também enfrentando solidão, preconceitos e dificuldades financeiras. O contraste é grande e reflete a complexidade do envelhecimento em nossa sociedade
De um lado, mulheres que rejeitam rótulos e envelhecem à sua maneira, saindo de todos os armários que as aprisionavam. De outro, mulheres estigmatizadas e vítimas do etarismo.
Ao movimentar nosso caleidoscópio encontramos mais alguns fragmentos sobre o etarismo e suas implicações para as mulheres em uma sociedade em processo de negação do envelhecimento próprio.
O avanço do etarismo no mundo
A primeira formação que visualizamos aponta para a definição e incorporação do termo “etarismo” em nosso idioma. Também conhecida por “ageísmo” ou “idadismo”, a palavra ageism foi cunhada por Robert Butler, um dos pioneiros em pesquisas sobre envelhecimento para apontar atitudes e práticas preconceituosas frente à velhice.
Palmore (1999) ampliou o uso da expressão para “preconceito ou discriminação contra ou a favor de qualquer grupo etário” e, somente no final do ano de 2023, a palavra etarismo foi inserida oficialmente em nosso idioma pela Academia Brasileira de Letras, com uma definição mais próxima daquela indicada pelo segundo autor: preconceito ou discriminação contra uma pessoa por causa da sua idade, sendo cometida com mais frequência contra os idosos.
No desenho formado por nosso caleidoscópio, a contundente pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde evidenciando que metade dos idosos no mundo é vítima de discriminação por idade (2021).
Crenças equivocadas que levam à morte simbólica
Ao olharmos de perto, vemos que estudos nacionais e internacionais apontam os estereótipos negativos como grandes geradores do problema do envelhecimento. A crença de que idosos têm dificuldades de cognição, mudança ou aprendizado é um exemplo disso.
As crenças equivocadas se infiltram em várias áreas da sociedade. Vemos imagens contrastantes: de um lado, mulheres idosas tristes e envelhecidas, e de outro, jovens mulheres felizes e saudáveis. Esse contraste reflete a complexidade do envelhecimento em nossa sociedade
Na paleta da vida, a velhice se torna monocromática até perder a cor. Será esta a nossa morte simbólica?
Data de validade: etarismo econômico
Mais um giro revela o etarismo econômico, que limita o consumo e a autonomia financeira dos idosos. Práticas discriminatórias em bancos, empresas e planos de saúde reduzem limites de crédito e acesso a serviços, impondo barreiras injustas.
Cancelamento do Mercado de Trabalho
O etarismo no mercado de trabalho é um tema importante em nosso caleidoscópio. Ele afeta especialmente quem enfrenta múltiplas formas de exclusão.
A experiência de quem vive com vários marcadores identitários é mais complexa do que a simples soma desses preconceitos. Vemos normas de idade que influenciam as práticas organizacionais, revelando julgamentos e expectativas sobre o desempenho de profissionais com base na idade. Isso é representado por curvas que mostram trajetórias profissionais interrompidas na meia-idade, ignorando as mudanças na pirâmide etária brasileira
As mulheres e a insegurança trazida pela vergonha de envelhecer
Imagens de empreendedoras idosas sendo preteridas por sua aparência mesclam-se à vergonha que as mulheres têm de envelhecer. Ao fundo, a mídia, que insiste em valorizar e destacar a idade e atributos físicos (ou a falta deles), contribuindo para aumentar a síndrome da impostora que habita na mulher madura.
Provocar para transformar: resetando velhos modelos
Por fim, proponho girar o caleidoscópio com mais intensidade, buscando imagens coloridas e positivas. Os novos idosos têm saúde e energia, mas precisam de modelos mais flexíveis e atualizados.
É hora de repensar conceitos e enfrentar o etarismo — o terceiro maior “ismo” do Ocidente, atrás apenas do racismo e sexismo. Podemos combatê-lo por convicção, constrangimento ou compliance. O importante é agir.
Se esse tema te incomoda, transforme-o. Afinal, amanhã, a vítima pode ser você.
Além disso, os novos idosos têm saúde e energia para mais do que a sociedade espera deles e delas. No entanto, modelos diferentes e mais flexíveis precisam ser avaliados.
Infelizmente, essa necessidade esbarra na dificuldade que temos em repensar nossos conceitos. Por exemplo, os recursos que usamos para proteger nossas crenças muitas vezes nos levam a argumentar e procurar apoio para nossas “verdades absolutas” sem avaliar se a base precisa de atualização.
Por que atualizar o nosso software?
Diante disso, a longevidade e a mudança no perfil dos idosos são novas evidências que demandam novas abordagens no enfrentamento ao etarismo por parte das empresas e da sociedade. Além disso, é fundamental destacar que o etarismo é o terceiro maior “ismo” do ocidente, menos conhecido que o racismo e sexismo, mas com o poder de influenciar significativamente esses dois. Portanto, é crucial que enfrentemos o etarismo de forma proativa.
Concluindo, podemos escolher se vamos enfrentar o etarismo por convicção, constrangimento ou compliance. E é importante lembrar que amanhã, podemos ser vítimas deste terrível preconceito, o que torna a ação imediata ainda mais necessária