O etarismo da família frente às mulheres
” Recentemente aposentei por tempo de trabalho. Por incrível que pareça, meu filho começou a me tratar diferente. Como se eu fosse uma alienada, sem vivência, sem experiência, sem opiniões, desejos e sonhos. Digo isso porque toda vez que que tento interagir, opinar, há um certo descaso…percebo a diferença em relação ao pai, que está aposentado há uma década…é gritante a mudança no olhar do meu filho…”
Uma nova percepção feminina sobre o etarismo?
Decidi trazer este depoimento, um entre vários que tenho recebido ultimamente de mulheres incomodadas com o etarismo que sofrem dentro de casa quando se aposentam ou não conseguem retornar ao mercado de trabalho por conta do etarismo. Já sabíamos que o preconceito etário afeta com mais força as mulheres, mas esse incômodo trazido por Maria, nome fictício da autora do testemunho acima, começa a ser percebido e verbalizado por muitas mulheres, que parecem ter adquirido uma maior compreensão sobre o assunto.
Mulheres que sempre foram ” donas de casa”, mulheres que tiveram que ir para este lugar por força do etarismo no mercado de trabalho, mulheres que resolveram ” dar um tempo” para curtir a maternidade e mulheres que decidiram parar, depois de trabalhar por toda a vida. Em comum, o preconceito e a invisibilidade, dentro e fora de casa.
Diferentes olhares e entendimentos
Auto-etarismo
Analisar esta segregação traz perspectivas e causas diferentes, que não se esgotam. A começar pelo auto etarismo, cujas sombras podem sufocar a voz ou ofuscar o brilho da mulher, especialmente na velhice: como mudar a autoimagem de quem se sente excluído?
Ok, homens também passam por isso, mas com elas é pior.
Síndrome da impostora
As dúvidas são plantadas na cabeça das mulheres ao longo da vida pela família, mídia e sociedade.
Padrões inatingíveis relacionados à aparência, beleza e juventude contribuem para que elas permaneçam num estado de endividamento constante. A síndrome do impostor, que afeta a percepção sobre suas conquistas e realizações, contribui para a ampliação deste espectro.
Interseccionalidade: ser uma mulher idosa
A experiência de alguém que vive a intersecção de dois ou mais marcadores identitários costuma ser maior do que a soma destes preconceitos. Ser mulher e idosa, são diferentes dimensões da vida social, marcadas implícita ou explicitamente por diferentes formas de opressão, que se expandem quando raça ou outros marcadores são adicionados.
De novo, acontece com eles também. Mas com elas é pior.
Etarismo nas organizações
Por fim o etarismo per si, mais contundente frente às mulheres maduras, tentando excluí-las das empresas, da moda e da vida afetiva, colocando-as à margem da sociedade. A resiliência das mulheres é um testemunho da sua força, mas é frequentemente testada pela maré implacável de obstáculos que elas enfrentam.
Lidar com o preconceito nas empresas e sociedade não é novidade para as mulheres. Estudos comprovam que seus salários tendem a ser menores do que os de seus colegas homens, especialmente na velhice e isso é considerado normal.
Longevidade e Finanças: a conta que não fecha
Refletir sobre este tema é extremamente importante se queremos mudar o mindset vigente. Se você que está lendo é mulher, faça o exercício de se ver lá na frente, depois dos 80 anos. Se você é homem, pense na velhice da sua esposa, filha ou mãe; aliás, pense na sua também.
A minha mãe tem 95 anos e todos os custos para mantê-la bem em termos de saúde, alimentação, cuidados e habitação devem-se ao meu pai, para alívio dos filhos, que além de enfrentarem os seus próprios desafios financeiros, têm seus filhos e netos para se ocupar ou preocupar. Olho para ela e penso com certa preocupação na minha própria velhice, já que a tendência é sermos mais longevos.
Ao meu redor, amigos e conhecidos que não têm a mesma sorte que eu, sem conseguir dar conta de si, dos filhos e pais, que não tiveram a mesma educação ou consciência financeira do meu pai, falecido há quase 5 anos.
A gourmetização do trabalho ao invés do emprego
A normalização do discurso ” temos que ter trabalho e não um emprego” é uma coisa me incomoda. Pessoas com mais de 50 anos que não conseguem um emprego e, que, como dizia o saudoso Jô Soares, vivem ” de becs”, ou de bicos, projetos, trabalhos ou o nome bonito que se queira dar para algo que é inconstante e mal remunerado.
Essa percepção gourmetizada do etarismo no mercado de trabalho diminui a responsabilidade das empresas e do governo sobre a falta de emprego para pessoas com mais de 50 anos. Já estamos meio acostumados a não ter grandes expectativas com iniciativas vindas do Setor Público, mas isso contribui para delimitar certa zona de conforto para as empresas, que mal conseguem enxergar o seu papel neste cenário.
Mulheres não pagam boletos?
É comum que mulheres sejam “convidadas” a realizar serviços como palestras, rodas de conversas ou mentorias sem contrapartida financeira ou com remunerações muito abaixo do aceitável. Algumas empresas, que estampam em seus sites crenças relacionadas a ESG ou Impacto Social não hesitam em negociar valores financeiros irrisórios e pagamentos após 60 ou 90 dias após a realização do trabalho, como se as mulheres não tivessem boletos para pagar, possivelmente partindo do pressuposto de que elas tenham alguém que as sustentem.
Impactos financeiros do divórcio grisalho
Muitas mulheres que conheço passaram por processos complicados de separação na maturidade. O divórcio grisalho fez com que muitas delas começassem a se preocupar com aspectos financeiros para os quais elas não foram preparadas.
Empresas não sabem disso. Suas preocupações com o S do ESG dificilmente chegam às suas fornecedoras.
Tratamento igual para fornecedores de pequeno e grande porte
A empatia e valores de certas organizações merecem ser analisados e processos revisitados, especialmente na relação com fornecedoras e fornecedores de pequeno porte: será que estas empresas aceitariam de seus clientes as condições que impõem?
Muitas organizações exigem documentos, processos e cadastros que ultrapassam qualquer limite razoável. Descontos de 20 a 30% são solicitados na largada, sem qualquer análise ou entendimento do projeto.
O teto grisalho das organizações
Mulheres comprovam que homens se saem melhor nas negociações e muitas vezes têm sua autoestima abalada por cobranças subliminares que, mais uma vez, as colocam em posição inferior. Asas cortadas por uma sociedade que insiste em colocar as mulheres numa posição inferior, especialmente quando são ou parecem idosas.
Você quer mudar o nível do jogo?
O letramento sobre Etarismo é fundamental nas organizações, pois boa parte delas certamente não enxergam na sua prática o alcance de suas políticas. Apontar esse dedo não é fácil, mas é absolutamente necessário se quisermos mudar o jogo para outro nível.
Mudar o nível do jogo dentro da empresa requer coragem, determinação e uma condução experiente, além de muita resiliência.